Quando era (e ‘estava’) jovem, eu era e via-me como na realidade nunca era e nunca ‘estava’. Em jovem, nunca estava suficientemente como acreditava; mas sentia-me ir e vir em direção às minhas apreciações . Mais do que qualquer outra coisa, era aquilo que as outras pessoas manifestavam ou diziam ao ver-me. Em jovem eu era um dramático sem dramaturgia no drama (sem lógica na justificativa, na dor das aparências que vão e vêm). Em jovem, não era (não estava) tão gordo como eu achava. Não era (não me pensava) tão artista como eu supunha e sobretudo nem era nem estava tão mal da cabeça. Desde jovem, em adjetivos como ‘novo’ , ‘educado’, ‘enamorado’, sentia vir a partir da língua, a inculcar-se e pouco a pouco a desabrochar, o mesmo dilema enunciativo de palavras como ‘tola’, ‘jovem’, ‘velho’ e ‘adulto’, envolto no significado das palavras alheias e ainda muito novo para encontrar o significado que eu lhes pudesse trazer da minha boca, na minha consciência de jovem na humanidade. Veem-me desde jovem acentuadas as palavras como salpicos (todo o tipo de palavras) nas piadinhas, nos enganos e nos jogos das palavras que podem dar-se com o verbo ‘ser’ e com o verbo ‘estar’. Dar-se na unidade quando se diz, só para dar um exemplo, que ‘se é um artista’ e não que se ‘está’ um artista. (incorrecto no segundo enunciado) Desde jovem afirmou-se a minha juventude de sempre dizendo que se é ‘homem’ e não se está ‘homem’, que se é ‘filho’ e não se está ‘filho’, se é ‘artista’ e não se está ‘artista’. Mas (por outro lado) não se diz em mim (eu não me digo assim) que se ‘é’ a solidão, mas que se ‘está’ só, que se ‘é’ triste, mas que se ‘está’ triste. Há nomes femininos no espanhol que têm o que, desde jovem, eu venho a assumir como uma faculdade de encarnar o nome como adjetivos na personalidade do que as pessoas são para além delas mesmas: ‘Soledad’ (solidão), ‘Dolores’ (Dores), ‘Consuelo’ (Consolo), ‘Gloria’ (Glória), ‘Victoria’ (Vitória) e também ‘Cielo’ (Céu). Como sobre-nomes (por cima dos seus próprios olhos, dos seus próprios nomes). De jovem, pode-se dizer que tentava ‘estar e ser’ por fora e por dentro do meu nome (obsessivamente ao mesmo tempo) . De jovem, eu fazia esforços básicos, como se fosse uma grande quantidade de estar e ser ‘educado’ sem conhecer de todo aquilo que se chama educação… Da mesma forma, estar e ser ‘rico’ sem conhecer de todo o que se chama riqueza na vida, por estar e ser ‘jovem’, ‘apaixonado’, sem saber de todo o que é a paixão, mas em definitivo (em definição) tais coisas não eram totalmente para mim. Aprendi desde jovem a dizer: “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”, sem que se perceba a diferenciação . Acho que é possível circundar-se (desabrochar) jovem não só quando se é jovem, mas em diferentes momentos da escrita (no texto) entre aspas, entre parêntesis, em metáfora (de dentro para fora), ou simplesmente sentir-se jovem perene no espelho da intimidade que há por ali, no caminho, como sinal de uma boa saúde, de uma boa gratidão e rebeldia. Existe gente no mundo que me acha jovem sem nenhuma necessidade, e outra que, pelo contrário, me acha velho sem nenhum reparo. O certo é que hoje, adulto, estou a tecer um bocado de memória de quando eu era jovem, na verdade dos assuntos interiores e completos, como os jovens imaginam. Não sou nem jovem nem velho. Sou as duas coisas. Lembro-me que, quando jovem, deixava-me levar pelas alturas ( sempre pelas alturas de aquela altura) dos cabelos (trair dos cabelos?) e um pouco também deixava-me levar (trair) por cada coisa que me acontecia. Lembro-me de passar, quando jovem, por uma passagem de paisagens, por um passadiço para saudar com o movimento da minha mão (sem entrar na loja) uma rapariga que trabalhava ali, dentro da loja, detrás do mostrador, na venda de camisetas. Desejava que aquela vendedora (da qual tempo mais tarde cheguei a saber que tinha o nome da minha mãe, só que em inglês) saísse da loja, deixasse o seu trabalho e viesse segurar a minha mão, o meu corpo e me acompanhasse passeando lá fora. Mas quando jovem tinha medo de tudo, da rejeição, principalmente, e portanto nunca dei a cara nem o ombro à juventude da vendedora, tinha medo de terminar no chão ou na ferida de não ser aceite, e o medo fazia-me cair na mesma, ferir-me na mesma (até mais), e assim, jovem, jogava às quedas e aos pontapés com o meus amigos, até ao dia em que começou a doer demais. Quando era jovem, coloquei os pés (no caminhar) em lugares no interior do Perú, da Bolívia, do Panamá, do Equador, do México, do Chile, do Brasil, da Espanha, da Alemanha, da França, da Itália, da Hungria e mesma da Colômbia (fora do meu lugar em Pasto, ao sul do país). Fi-lo porque tive a fortuna de me encontrar com coisas para fazer, com trabalhos para adiantar e sobretudo pessoas com quem contar, com as quais podia estar e portanto enfrentar a vida como arte e a arte como vida; onde estranhamente não precisava de ter tudo para estar onde queria estar e no lugar em que queria pôr os pés, andando em frente ou para trás. Ao verem-me jovem, muitos acharam que eu era uma espécie de frágil vagabundo perigoso, um engano qualquer. Fui visto como não era, porque na superficialidade das aparências talvez eu (mais que ninguém) quisesse aprofundar a minha própria contradição. “Mas como é possível que não gostes do que é bom, se tu és das artes” diziam-me, pois é.. mas era simples, assim queria que me vissem. Contra o contraditório, na certeza do improvável. Mau sem ser mau, como qualquer jovem em seu tempo de jovem, novo sem ser novo. E por isso agora (depois de jovem) não acredito que quando jovem tivesse sido um valente ou um temerário (combatente dos medos), mesmo tendo passado grande parte da minha adolescência fora e dentro de tudo, entre aprender a tocar guitarra, colecionar miniaturas e também (“como é logico”, diria uma amiga minha, mas não é) masturbar-me sem medos na solidão da fantasia com o sexo oposto que me corresponde, imaginando o tempo todo mulheres de mentira, sonhando que podia pôr a minha boca, a minha mão, o meu sexo, o meu corpo, tal como tinha posto os meus olhos, nos corpos, nos sexos, na boca, nas mãos de imagens de revistas, programas de televisão, filmes. Jovem, despertei meu desejo sexual graças às minhas companheiras da escola, da universidade, das professoras de biologia e castelhano no colégio dos padres filipenses. A juventude chegou-me de golpe e terminou onde tinha começado, na volta dos meus dias. Terminou logo comigo e eu deixei-a chegar ao seu fim sem que me desse conta por completo (tal como tinha me acontecido com a minha infância). Passei a juventude como quem passa subtilmente da linha, ou melhor, subtilmente da hora prevista e chega uns minutos tarde a uma coisa (a uma reunião) que nem sequer tinha começado. Passei minha juventude mais tarde que cedo, no calor do momento, sem fazer grandes coisas, jogando videogames, chorando pela ferida, gritando aos ouvidos surdos, cacarejando pela rua, cantando a destempo, desafinado (ainda hoje) , levando a minha cabeça contra o vento, contra o tempo e a maré. Se já em criança tinha visto e estado dentro do que é o mar paciífico, só quando jovem tive o prazer de escutar de perto, perante os meus olhos e pés, outros mares no mundo. Em jovem fui, por questões de segundos, de corpo inteiro molhado até às lágrimas pela água salgada do mar caribe, do atlântico sul e do mediterrâneo, donde creio que saí (do mediterrâneo) para ser, uma segunda vez uma primeira vez, um pouco mais do que se esperaria de mim. O homem que queria ser. “Tu és um homem que chora por qualquer coisa” diz-me o meu amigo mexicano; “ não é que os homens não chorem”, assegura, “mas tens que chorar sem que se note”. Por isso vou ao mar (não sou do mar, sou da montanha, dum vulcão na realidade), por isso vou até ao mar para sair dele e voltar (retornar a casa) Todos os mares são o mar, “o mar é mar”, li num grafiti de jovem onde me metia para grafitar ( nas casa de banhos das mulheres onde, por ser homem, me era proibido estar). Pois bem, fui jovem nas margens, costas e espumas dos mares sem nunca ter sido nem por um segundo um pescador, um marinheiro, um pirata ou um capitão da minha história de vida, deixando-a voar, como “ave de passagem” (música do Joaquin Sabina). Assim foi na minha juventude, como ele sem ser ele, como a do cantor.